NOTA BIOGRÁFICA SOBRE ALBERTO DE OLIVEIRA
N.B. 1 NÃO CONFUNDIR COM O HOMÓNIMO POETA BRASILEIRO (1857-1937) OU COM O HOMÓNIMO POETA PORTUGUÊS (1873-1940) QUE, TAL COMO O OLIVEIRA DO GRUPO DO LEÃO, TAMBÉM FOI DIPLOMATA.
N.B. 2 OS NÚMEROS EM PARÊNTESIS CURVOS E A VERDE – (X) – REMETEM PARA AS IMAGENS AO LADO.
1. GENEALOGIA
Alberto César Gomes de Oliveira nasceu a 1 de Novembro de 1860 e foi baptizado em Lisboa, na freguesia das Mercês, a 14 de Dezembro. Morreu na mesma cidade em 14 de Abril de 1922. Apenas o assento casamento e o de óbito (ver abaixo, pontos 5.5 e 12) indicam Lisboa como local de nascimento. Era homónimo do pai, referido no baptismo (01) como “proprietário” e morador na Rua Cecílio de Sousa, então Rua da Procissão (até 1926). Registou-o filho de “mãe incógnita”. Porém, outros documentos identificam-na como Isabel Maria Mendes de Oliveira, natural de Vila Nova de Azeitão, Setúbal.[1]
Isto difere em parte da única nota biográfica de Oliveira conhecida até hoje, da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, que o dá como nascido “em Setúbal em 1861 [numa] distinta família da cidade do Sado” (AA.VV., 1945: 348).[2] Aliás, é de notar a correcção no registo de óbito pelo funcionário do Registo Civil: "natural de Setúbal, digo, natural de Lisboa – freguesia das Mercês".
A enciclopédia também afirma que “chegou à capital com escassos vinte e dois anos (...) pela mão do pintor João Vaz”, ele próprio natural de Setúbal. Luís Varela Aldemira (1895-1975) deu a mesma informação, sem indicar fonte (ALDEMIRA, 1954: 85). Mas, mesmo que nascido em 1861, é impossível ter vindo para Lisboa – se tal de facto aconteceu – aos 22. Isso corresponderia a 1883, dois anos após a primeira exposição do Grupo do Leão, de cujos catálogos Oliveira foi editor desde o início.
Em todo o caso, perante a nota enciclopédica e a naturalidade da mãe, deve considerar-se pode ter crescido em Azeitão ou Setúbal.
2. PRIMEIRAS LIGAÇÕES
À excepção daquela referência – “chegou à capital (...) pela mão do pintor João Vaz” –, não se conhece mais dados sobre como Oliveira entrou no meio cultural lisboeta, tal como se ignora a sua formação escolar ou profissional.
Sabe-se, porém, que frequentou por volta de 1875-1877 (se não mais anos) uma tertúlia no Bairro Alto em torno de um dos futuros membros do Grupo do Leão, Francisco Vilaça, onde também iam António Ramalho e Rafael Bordalo Pinheiro. Acontecia na Taverna da Tia Leonarda (02), na Rua de Luz Soriano, 21 (Rua do Carvalho até 1887), actual restaurante Adega do Tagarro. A tertúlia foi frequentada por boa parte dos nomes habituais do futuro grupo, pelo que se pode considerar parte da sua pré-história.
Por outro lado, é certo que Oliveira estabeleceu amizade com Cesário Verde pelo menos desde 1877. Numa carta desse ano ao conde de Monsaraz o poeta referiu que ele morava na Praça da Alegria (VERDE, 2021 [1877]: 139) (03). É uma das duas referêncas mais antigas que temos sobre a ligação de Oliveira ao círculo do que veio a ser o Grupo do Leão.
2. ALMANAQUE CONTEMPORÂNEO
Vindo ou não de Setúbal, é certo que em 1876, aos 16 anos, Oliveira já estava envolvido em actividades editoriais em Lisboa. Em 1877 publicou um Almanaque Contemporâneo (04) onde se lê “por Alberto César Gomes de Oliveira” sob o título. O pequeno volume saiu na editora Imprensa Democrática (ignoro o proprietário), casa de curta duração (20 lançamentos entre 1876 e 1890, segundo o catálogo da PORBASE) e de evidente espírito republicano, atentando aos títulos. Tal denota a filiação de ideológica de Oliveira desde muito cedo, que à frente se verá melhor (pontos 7, 8 e 11).
O almanaque continha, “além do calendário, diferentes tabelas e grande variedade de artigos literários, poesias, anedotas, epigramas, enigmas, charadas e uma linda mazurka litografada”. Entre os 30 colaboradores (e creio que Oliveira é autor de alguns dos passatempos) estavam Alberto Pimentel (1849-1925), Brito Aranha (1833-1914), Eduardo Coelho (1835-1889), Gervásio Lobato (1859-1895), Gomes Leal (1848-1921), Guilherme de Azevedo (1839-1882), João de Deus (1830-1896), Luciano Cordeiro (1844-1900) e Pinheiro Chagas (1842-1895), o que demonstra o acesso precoce de Oliveira a alguns dos nomes mais destacados do jornalismo e da literatura da época.
A ideologia já estava lá, por exemplo na reflexão sobre “Educação popular” por Brito Aranha. Também há várias referências a Setúbal, em quatro textos, além de sete anúncios publicitários de casas comerciais setubalenses. A contra-capa informava que o almanaque vendia-se nas “principais livrarias e lojas de Lisboa, Porto, Coimbra e Setúbal”.
Não se conhece edições em anos seguintes e a existência é rara: um exemplar na Biblioteca Nacional e outro vindo a leilão em 2017.
3. GRUPO DO LEÃO
3.1
Há uma memória de António Ramalho, publicada numa entrevista em 1915, essencial para perceber o lugar de Oliveira no Grupo do Leão (RAMALHO, 1915: 1). Diz certamente respeito à residência de Oliveira na Praça da Alegria indicada por Cesário Verde:
"A sua [de Oliveira] trapeira [i.e., águas-furtadas], cujo mobiliário disparatado se desconjuntava, e de cujas paredes ele havia feito uma pitoresca galeria de gravuras cortadas das revistas da época, transformara-se numa espécie de academia – academia composta de rebeldes, de patuscos, de idealistas... (...) Quem pudera suspeitar que havia de ser ali, no meio de um cenário de grotesco e de miséria, que o Grupo do Leão, que ficou na história da Arte em Portugal, teria origem. Constituído esse grupo (...), a nossa sede mudou para as mesas do Leão de Ouro."
(Na verdade, Ramalho queria dizer Cervejaria Leão, aberta em 1878, e não Restaurante Leão de Ouro.)
3.2
Varela Aldemira revelou alguns aspectos das relações e percurso de Oliveira entre os do grupo (ALDEMIRA, 1954: 79, 85).
Em 1880, por exemplo, Oliveira escreveu a Columbano Bordalo Pinheiro, então em Paris, a propósito do lugar de Silva Porto como professor da cadeira de Paisagem na Academia Real de Belas-Artes de Lisboa: “a nomeação do Porto é por dois anos, não sendo de admirar que, findo esse prazo, o ponham no olho da rua” (enganou-se: o pintor foi depois nomeado em definitivo).
Outro exemplo, numa carta ao mesmo, de 3 de Agosto de 1881: "A propósito de música, manda dizer-te o [Silva] Porto que vás aos concertos do Pas de Loup, que, creio, começam em Novembro, onde por 75 cêntimos ouvirás musica como ainda não ouviste. Diz mais que quando tiveres dez francos disponíveis vás ao Bosque para ver homens bem vestidos. Além destes dois conselhos, pelos quais não te leva nada, manda-te muitas saudades."[3]
3.3
As acções artísticas de Oliveira terão começado em 1880, um ano antes da primeira exposição do Grupo do Leão (Dezembro de 1881) (06). É o que Ramalho Ortigão deu a entender num texto de 1883 (a que regresso abaixo), sobre a terceira exposição: "A última exposição de quadros, nas salas da Associação dos Escritores, foi em grande parte promovida e organizada por ele". Ou seja, Oliveira esteve por de trás da exposição de Columbano e António Ramalho em 1880 na sede da Associação de Jornalistas e Escritores Portugueses, na Praça Luís de Camões (059 – evento, aliás, que João Vaz considerou ser a primeira exposição de facto do grupo.
Em 1881 Mariano Pinha nomeou-o no seu artigo crismador do Grupo do Leão no Diário da Manhã (Z. SEGREDO, 1881: 1): “E neste grupo entram também os amadores como Alberto d’Oliveira – uma bela cabeça de nazareno... de barba ruiva” (079. As referências na imprensa a partir da primeira exposição do grupo, motivo do texto de Pina, passaram a ser frequentes, fosse sobre os catálogos das mostras (1881-1888) ou a sua outra iniciativa editorial de então, a Crónica Ilustrada (1882), revista oficial do grupo (08).
A 7 de Abril de 1883, também no Diário da Manhã, Ramalho Ortigão fez uma recensão significativamente intitulada "A exposição de quadros – Alberto de Oliveira" (o tal texto atrás citado que refere a exposição de 1880 de Columbano e Ramalho). Começou com uma descrição da figura –
"Cumpre-me desempenhar-me um dever sagrado, apresentando-lhes o Sr. Alberto de Oliveira.
Este indivíduo representa 25 anos. É alto e magro, e tem a elegância pitoresca de um artista pobre: veston de cheviote escocês, correctamente abotoado, gravata de foulard mole de grande nó em asas de borboleta, chapéu baixo, bigode fino empinado aos cantos da boca, bonita barba macia e cor de oiro, bipartida em pequenas pontas de forqueta."
– e seguiu, após a análise das obras expostas, com um alto elogio a Oliveira na sua função de promotor e publicista das actividades do grupo (ORTIGÃO, 1947 [1883]: 87-96). Ler o artigo na íntegra aqui.
Abel Acácio também apontou o entusiasmo de Oliveira nas exposições num artigo n'A Ilustração de Mariano Pina em 1887.
Oliveira envolveu-se noutros planos emanados do grupo. Em 1883, com, entre outros, Silva Porto, Cipriano Martins, José Malhoa e Manuel Henrique Pinto, organizou a primeira exposição retrospectiva de Miguel Ângelo Lupi (n. 1826 e falecido em Fevereiro daquele ano) na Escola de Belas-Artes de Lisboa, durante Junho e Julho, como se verifica na última página do respectivo catálogo (09).
3.4
No fundo documental da Academia de Belas-Artes, disponível na plataforma DigitArq do Arquivo Nacional-Torre do Tombo, está uma pasta intitulada "Correspondência recebida" que inclui alguns postais (imagens 128-133 e 168-175) enviados a Oliveira por José Malhoa e António Ramalho. São elementos importantes para perceber a intimidade de Oliveira com o grupo.
Os postais de Malhoa foram enviados de Aveiro em Junho de 1883, durante a temporada que ali passou com Manuel Henrique Pinto. Iam dirigidos ao criado "Manuel de Vasconcelos, a entregar a Alberto d'Oliveira, Cervejaria Leão, Rua do Príncipe". Neles há um relato divertido [10]:
"Pinto desesperado diz que só daqui sai depois de ter pintado a Eternidade! (...) Toda a noite em suspiros (...) enfastiado dos sonhos que cairam no Leão. Pontes bonitas, vinho bom! Mulheres nem bonitas nem feias! Pinto constipado canta a St.ª Lucia!! Poesias em espanhol pelo mesmo! (...) (O Pinto faz pi-pi)"
Malhoa manifesta-lhe ainda o interesse por construções locais: "Casas... aí vai uma amostra! Um lanternim", desenhado no postal.
De António Ramalho há seis postais enviados de Paris entre 1883 e 1885 para a morada de Oliveira na época: Rua da Esperança, 133. Nos dois primeiros, de Dezembro de 83, diz que vai mandar um quadro para a terceira exposição do Grupo do Leão, para depois afinal pedir desculpa por não participar, perguntando-lhe o que "há de bom" na mostra e pedindo-lhe o catálogo. Justifica a ausência: "Foi com verdadeiro pesar que não concorri à nossa exposição, mas que queres? A fatalidade que há uns tempos me persegue demora ainda na ilha de São Miguel". Não se percebe a que "fatalidade" se refere. Talvez uma questão amorosa? Um postal seguinte, de finais de Janeiro de 1884, dá a entendê-lo, eventualmente [11]:
"Quando almoço, quando janto – nas paredes do restaurante acendem-se as terríveis letras MAM.... (com pontinhos e tudo). Ontem à noite acompanhava certa mulher a casa dela, ia a entrar mas nas trevas do escaliers dançavam macabricas [sic] com fosforecências fátuas as terríveis letras MAM.... e eu fugi com [ilegível] (...) Enfim, Alberto, se souberes que morri, prepara-te para lutar com os teus remorsos, pois foste tu que me mataste."
Especulo: "MAM" serão as inicais de uma mulher que Oliveira apresentou a Ramalho. Em todo o caso, aquela última frase é hiperbólica: a despedida no postal diz "Teu amigo certo".
Em Dezembro de 1884 Ramalho anunciou-lhe o envio de quadros que chegariam a Lisboa em meados do mês, presumivelmente para a quarta exposição do grupo. O último postal deste lote é de Novembro de 1885, informando que colocará na quinta exposição os trabalhos que Leandro Braga tem em sua posse em Lisboa, e que José Júlio de Sousa Pinto e Francisco Vilaça, ambos também em Paris, participarão.
3.5
A inauguração do Restaurante Leão de Ouro em 1885, decorado pelos artistas, projectou mais ainda a figura pública de Oliveira, representado nos retratos colectivos dos irmãos Bordalo Pinheiro lá colocados: Grupo do Leão de Columbano e Alegoria ao Grupo do Leão de Rafael. De todos os do círculo, Oliveira é o único não-artista plástico (excepto os criados e proprietário da casa) que aparece nas telas e em imagens na imprensa. (12, 13, 14, 15).
O mesmo impacto reflectiu-se em crónicas jornalísticas, por exemplo numa do escritor Augusto de Lacerda (1864-1926) publicada pouco após a abertura do restaurante (LACERDA, 1885: 2):
"Sensação em toda a linha! O mundo artístico exulta! Alberto de Oliveira – um visionário com seus quês de romântico – alonga e encolhe as enormes pernas em saltos de doida alegria!
Abriu o Leão de Ouro, o café dos artistas modernos, o agulheiro... não dos sábios, mas dos pintores – daquela brilhante plêiade – Grupo do Leão. As telas que ornam as paredes do estabelecimento – esplêndidas! Ressaltam delas o talento de Columbano, de Rafael Bordalo, de Malhoa, Vaz, Sulva Porto, Girão, etc..
E pelo meio da casa em saltos de doida alegria, lá anda o Alberto de Oliveira, rindo para todos, apertando as mãos a todos, nuns shake hands brutais e nervosos...
– Bonito! hein?!
- Chic! hein?!
- De gosto! hein?!"
3.6
A constituição do Grémio Artístico em 1890, "legítimo sucessor" do Grupo do Leão, para usar a expressão de Varela Almedira, parece ser a última intervenção de Oliveira neste campo: pertenceu ao primeiro corpo gerente enquanto "segundo secretário" (ALDEMIRA, 1954: 123). É possível ter tido responsabilidade na execução dos catálogos, mas o seu nome não aparece em nenhum.
3.7
É também importante registar uma opinião negativa sobre Oliveira neste período. Luciano Freire (1864-1934), nas suas Memórias, recentemente publicadas graças ao investigador António João Cruz (a partir do manuscrito guardado no Museu Nacional de Arte Antiga), escreveu isto (FREIRE, 2023 [1914-1926]: 112-114):
"O Silva Porto começava a dominar o terreno, mas ou por não se conformar com a companhia ou por qualquer outro motivo, menos confessável, associou-se a principiantes sob o comando do velho papa-jantares, Alberto de Oliveira, (...) tornando-se viáveis esses pequenos certames, denominado do "Grupo do Leão" visto os que o constituíam frequentarem a cervejaria que tinha essa fera por timbre. Salientaram-se no grupo, além do Silva Porto, e esse de maneira brilhante, o Columbano, Malhoa e Ramalho, primeiro discípulo do novo mestre paisagista. Os restantes pouco ou nada valiam, e dizendo-se discípulos do Anunciação bem pouco lhe honravam a memória.
(...)
A imprensa, a solicitação do tal papa-jantares, lá ia entoando louvores; e se alguns incidiam em artistas de mérito, era ainda assim por compadrio e não por competência da parte de quem escrevia, servicinho entregue sempre a ignorantes da matéria.
(...)
O Alberto de Oliveira dirigia o famoso catálogo, obra colossal, estadeada durante a sua elaboração e revisão de provas nas mesas do café favorito, trabalho que a crítica sempre celebrou – a tal – chegando a dizer: "Alberto de Oliveira não expõe, mas é como se o fizesse"! Uma vez sob pseudónimo, botou também crítica o homenzinho. Chamou bestas aos compradores de quadros – o que não era de todo uma injustiça –, declarando-os todos indignos de possuírem qualquer das obras que o referido grupo mercadejara. Depois emudeceu e as exposições começaram a rarear e por fim de se fazer."
E ainda, sobre o concurso para o lugar de professor da cadeira de Pintura de Paisagem na Academia de Belas-Artes de Lisboa, que Freire perdeu a favor de Carlos Reis em 1895:
"Durante a exposição das provas do concurso os amigalhaços do meu contendor, capitaneados pelo Alberto de Oliveira do 'Grupo do Leão', um tal 'que não fazia quadros mas que era o mesmo que os fizesse', organizaram grossa cabala, servindo-se dos mais atrevidos meios; pois se até se agrupavam em animada palestra diante das minhas provas de menores dimensões – mas a que mais temiam – e de costas para ela impediam os visitantes insuspeitos de a apreciarem convenientemente. Levantou essa atitude alguns protestos, mas como andasse arredio, operavam em liberdade esses meus inimigos (...)"
Apesar disto, e sempre profissional, em 1930 Luciano Freire procedeu ao primeiro restauro conhecido de Grupo do Leão de Columbano, por quem nunca teve animosidade.
4. EDITOR DE COELHO DE CARVALHO E DE GOMES LEAL
Em Novembro de 1885 a revista cultural A Imprensa, dirigida por Afonso Vargas (1859-?), publicou excertos de Ervas – O Cântico dos Cânticos de José Joaquim Coelho de Carvalho (1855-1934) e O Anti-Cristo de António Gomes Leal (1848-1921), explicando: "À amizade de Alberto de Oliveira, o inteligente e fino companheiro do Grupo do Leão, devemos poder hoje publicar versos inéditos dos volumes, prestes a sair, de dois poetas que há muito de certo o público conhece e estima. (...) Aos dois artistas e ao seu editor aqui deixamos consignado o nosso reconhecimento". De Coelho de Carvalho estava o soneto "A velhinha", e de Gomes Leal uma passagem de "Tragédia Humana" (ANON., 1885o: 30, 32).
Estas são as duas incursões editoriais conhecidas de Oliveira em literatura. O plano de publicação sofreu atrasos: as folha-de-rosto dizem 1884, mas as capas registam 1886. De facto, como anunciado nos jornais, só chegaram às livrarias em Março (Carvalho) e Maio (Leal) de 1886. ("Apareceu finalmente este livro há tanto tempo anunciado", escreveu-se também sobre Leal na O Ocidente em Junho.) Ambos foram impressos em Lisboa na Tipografia Elzeviriana, de Caetano Alberto & Faro, mesma origem do catálogo da exposição de Lupi de 1883 em que Oliveira esteve envolvido (e de onde também foi impresso em 1887 O Livro de Cesário Verde). O Anti-Cristo dizia na capa "Alberto de Oliveira – editor" (17).
Os elogios da imprensa amiga de Oliveira foram imediatos, principalmente sobre o livro de Coelho de Carvalho. Na Pontos nos Ii, em Março, Rafael Bordalo Pinheiro falou da "edição elegantíssima" pelo "génio artístico de Alberto de Oliveira", junto a caricatura com o autor (disfarçado de mandarim, por então ser cônsul em Xangai) e o editor. (18) Em Abril, A Ilustração Portuguesa, num artigo de Casimiro Dantas (1850-1904), referiu o "inteligente e simpático editor". No mesmo mês, no Comércio de Portugal: "O belo volume (...) é editado por outro moço também de talento e de uma actividade pasmosa, o Sr. Alberto de Oliveira, um fanático pelas belas-artes, crítico de pintura muito apreciável e cavalheiro tão simpático como honesto". No Correio da Manhã disse-se que era o "o género das edições em que Lemerre deu [Théodore de] Banville e François Coppée". Era uma referência ao reputado editor Alphonse Lemerre (1838-1912), com isto reiterando-se o padrão gráfico francês que Oliveira já tentara emular na sua revista de 1882, Crónica Ilustrada.
Sobre o livro de Gomes Leal há um artigo curioso de Ricardo Jorge (1858-1939) publicado em A Águia em 1921, pouco depois da morte do poeta. O médico descreve o seu exemplar, que lhe fora oferecido por Camilo Castelo Branco, anterior proprietário. Tinha uma dedicatória de Oliveira a Camilo, em que também lhe sugeria escrever uma crítica (já em 1882 fora convidado para Crónica Ilustrada), e comentários depreciativos manuscritos por Camilo:
"Fui-me à livraria e deitei abaixo um volume desfeito e manchado – o Anti-Cristo. No ante-rosto lê-se em traços que trinta e cinco anos amareleceram – 'À crítica de Camilo Castelo Branco submete este livro o seu admirador Alberto de Oliveira'. (...) Alberto de Oliveira, o ilustre escritor, então no fogo da juventude, submetera a epopeia à crítica do mestre. Não sei se o Voltaire de Seide lha mandou; é natural que sim. No exemplar oferecido exara-a ele em termos que podem chamar-se lapidares, porque lapidam desapiedadamente o pobre cantor e o poema. No verso do frontespício, onde o editor reserva 'todos os direitos de tradução e reprodução', escreveu por baixo: – 'Esta declaração é precisa, principalmente quanto à tradução. Seria necessário primeiro traduzir o livro em português'. E na página final, sob o derradeiro verso, pôs a tinta este fecho descabelado, como que a substituir irreverente o finis laus Deo – 'Uma bebedeira de 350 páginas'."
5. VIDA PRIVADA
5.1
Em 1886, pouco após o Carnaval, António José da Silva Pinto (1848-1911), amigo de Cesário Verde e futuro editor de O Livro de..., encontra na rua "um rapaz, chamado Alberto de Oliveira – o do Grupo do Leão", que lhe diz, "com as lágrimas nos olhos: – O Cesário está muito mal, e quer vê-lo". O poeta morreu em Julho seguinte. É uma pequena nota sobre como a condição do poeta afectou Oliveira, seu amigo pelo menos desde 1877.
5.2
Exemplos dos estados íntimos de Oliveira são raríssimos. Há um episódio curioso narrado por Eduardo de Barros Lobo (1857-1893) no seu volume de memórias de 1887, Viagens no Chiado, num capítulo intitulado "História boémia". Conta como encontrou Oliveira em casa, muito abaldo por na noite anterior ter-se altercado com um indivíduo, que esbofeteou (nome e motivos não são revelados) e que prometeu mandar-lhe testemunhas, com fito a um duelo, que acabou por não acontecer. O relato é rico na análise da personalidade, principalmente os parágrafos que descrevem as idiossincrasias de Oliveira, a sua obsessão cultural e estética pelo século XVIII e os detalhes do seu escritório doméstico. A situação ter-se-á passado na sua casa na Rua da Esperança, 133, onde vão aparecendo visitas à medida que conversa com Lobo. O texto pode ser lido na íntegra aqui.
5.3
Alberto de Oliveira teve pelo menos três filhos, todos de mães diferentes: Maria Alberta, Andreia e um rapaz cujo nome ignora-se.
Maria Alberta, sobre a qual não há dados biográficos, terá nascido por volta de 1885, de uma relação não-matrimonial. Ignora-se a mãe. Sabemos da sua existência por causa de uma fotografia de 1891 feita pelo pai, onde aparenta cerca de seis anos de idade. Este documento, e outros relacionados, estão também no fundo da Academia Nacional de Belas-Artes acima já referido (ponto 3.3; ver aqui, imagens 193-195) (19, 20, 21).
A fotografia mostra uma criança junto a um cais. No verso está escrito:
"A chave do desenho de Ant. Ramalho
Aterro 1891
M.ª Alberta (filha bastarda de Alberto d'Oliveira)
Alb. d'Olivr. phot."
(Por "Aterro" entenda-se toda a antiga área à beira-Tejo entre o Cais do Sodré e Alcântara, cuja marginal deu origem à Avenida 24 de Julho.)
O segundo documento é um postal de António Ramalho enviado em Janeiro de 1904 para o Alandroal, onde então Oliveira residia e trabalhava. Lê-se:
"Ao amigo Alberto
Um novo ano cheio de venturas na companhia de toda a sua família. Pois a minha [ilegível].
Agradece o lindo postal.
E chi coração do velho amigo
A. Ramalho
Janeiro 1904"
(No canto superior direito lê-se ainda "Souza Pinto - Rua da Alegria 142 Porto", talvez respondendo a um pedido de Oliveira para saber do endereço do pintor José Júlio de Souza Pinto.)
O mais interessante do postal é o desenho de Ramalho ao lado da mensagem, que é uma versão da fotografia. Tem como legenda:
"Experiências fotográficas com luz petrolinia [sic]
(I.ªs tentativas. A mão esquerda mt.º mal)"
Diogo de Macedo primeiro revelou a existência destes documentos em 1941 (MACEDO, 1941b: 123).
5.4
Algures antes de Maio de 1888 Oliveira teve uma relação com uma francesa natural de Nantes, com o longo nome de Henriette Marie Antoinette Louise Marguerite Letertre, filha de Louis René Letertre e Marie Hiass, também de Nantes. É tudo o que apurei sobre ela até agora.
Sabe-se disto pelos assentos de baptismo e de casamento da filha de ambos, Andreia, ou Andrea. Nasceu a 3 de Fevereiro de 1889 em Lisboa, na freguesia de Santos-o-Velho – ou seja, onde fica a Rua da Esperança, que, como visto, foi morada de Oliveira –, mas registaram-na a 4 de Agosto em São Jorge de Arroios, onde os pais então residiam, na Travessa do Caracol da Penha, 177. Esta artéria bifurcava e as duas vias passaram a chamar-se Rua Marques da Silva a partir de 1891 e Rua Heróis de Quionga desde 1916, até hoje, pelo que não consegui determinar ao certo onde era a casa.
O documento de baptismo de Andreia é bastante interessante. Para além de revelar pela primeira vez, o nome da mãe de Oliveira (ver ponto 1 destas notas), informa sobre as relações próximas dele: os padrinhos foram o dramaturgo João da Câmara, frequentador do círculo do Leão, e sua madrasta, terceira esposa de Francisco da Câmara (1819-1872, marquês da Ribeira Grande), Luísa da Cunha e Menezes (1843-?).
Andreia Letertre de Oliveira casou a 8 de Dezembro de 1910 nos serviços do 4.º Bairro Administrativo de Lisboa (Ajuda-Belém-Alcântara) com Jorge Magalhães dos Santos Lopes (n. 25 de Outubro de 1890 em Santos-o-Velho), filho de João dos Santos Lopes e Emília de Magalhães Lopes (ambos de Lisboa). À altura, Andreia morava com a avó materna, Isabel, na Rua de Santana à Lapa, 113, 2.º.
Este assento de matrimónio é igualmente útil sobre Oliveira. Morava então na Rua de São Ciro, 22, 1.º esquerdo, freguesia da Lapa. Mais interessante ainda, uma das testemunhas do casamento foi um membro do Grupo do Leão, o artista Francisco Vilaça.
Andreia morreu a 29 de Janeiro de 1977 em sua casa, presumo, na Rua Cidade de Manchester, 22, 1.º direito. O marido morreu antes, em 21 de Dezembro de 1964, possivelmente na mesma morada. Desconhece-se descendência.[4]
5.5
Oliveira casou a 21 de Outubro de 1892 com Mariana Rita da Fonseca no Alandroal, na freguesia de Nossa Senhora da Conceição. Era irmã mais nova de Luís Fortunato da Fonseca (1859-1934) – médico, político e homem de letras, habitual no círculo do de Ouro. Nasceu a 27 de Setembro de 1870 na mesma vila (terra da mãe, Maria Teresa da Fonseca; o pai, Fortunato José da Fonseca, era de Barcelos) e morreu a 24 de Março de 1942 em Lisboa, na Rua de Santana à Lapa, 21, 1.º andar.[5]
Como se verá à frente (ponto 8), Oliveira foi nomeado administrador do concelho do Alandroal em 1898.
O registo de casamento identifica-o como "solteiro", o que consubstancia que a sua relação com Henriette Letertre nunca foi oficializada. Diz ainda que "vive de sua agência, morador na freguesia da Lapa [rua não mencionada], da cidade de Lisboa, e natural da das Mercês, da mesma cidade". Confirma as datas de nascimento e baptizado (ver ponto 1) e nome do pai, "ignorando-se a naturalidade" dele, e refere "mãe incógnita". Foram testemunhas de casamento o pai de Mariana e Pedro de Oliveira (ignoro se parente de Alberto de Oliveira), "mestre de esgrima, morador em Mafra" (isto é, professor na Escola Prática de Infantaria; ver aqui e aqui).
Ora, em 1911, Oliveira começou carreira diplomática na Galiza (ver ponto 11). É numa revista de Vigo, Vida Gallega, datada de Maio de 1920, que se encontra uma fotografia do "niño del cónsul de Portugal, Sr. Oliveira" (então colocado na Corunha), num conjunto de retratos de crianças "con disfarces artísticos". O menino está disfarçado de palhaço e poderá ter entre oito a dez anos de idade (22).
É portanto razoável supor que a criança, cujo nome se desconhece, seja filho de Oliveira e de Mariana. Não tenho mais dados sobre este indivíduo. Porém, o registo de óbito de Oliveira, de 1922, diz que "não deixou descendentes menores" (ponto 12), pelo que é possível que a criança tenha morrido prematuramente.
6. FOTÓGRAFO
Conhece-se apenas três fotografias realizadas por Alberto de Oliveira – uma delas, como já visto (5.3), o retrato da filha Maria Alberta, de 1891 –, mas a sua produção foi enorme. Segundo Norberto de Araújo (1889-1952) num artigo na revista Olisipo em 1947, estava então "na posse de um particular a colecção de milhares de provas fotográficas, algumas valiosíssimas, devidas àquele rapaz".
6.1
Foi naquele número da Olisipo que Araújo reproduziu a imagem mais antiga conhecida feita por Oliveira, de "há cerca de sessenta anos", ou seja, por volta de 1887. Mostra o começo da Rua da Mouraria com o extinto Passo da Mouraria, ponto da Procissão da Senhora dos Passos, que ficava onde hoje está o começo das Escadinhas da Saúde. À esquerda vê-se parte da Ermida de Nossa Senhora da Saúde.
Existe uma impressão da imagem (23), de que Araújo disse ser proprietário, no Arquivo Municipal de Lisboa, no Fundo Eduardo Portugal (1900-1958), fotógrafo e coleccionador (e colaborador do Grupo Amigos de Lisboa, editor da revista Olisipo), sem atribuição de autoria. Aliás, nesse fundo documental há uma outra imagem muito semelhante, como que registada no mesmo dia. Considerando isto, penso que parte do fundo corresponderá a fotografias de Alberto Oliveira e que Eduardo Portugal era o tal "particular" que tinha "milhares de provas fotográficas" dele.
6.2
Em 1890 constitui-se o Grémio Português de Amadores Fotográficos, que publicou cinco números de um Boletim entre aquele ano e 1892. Era dirigido pelo fotógrafo (e diplomata durante a I República) Arnaldo Fonseca (1868-1936?), co-fundador daquela organização. Recorde-se que Fonseca frequentou a tertúlia da Taverna da Tia Leonarda em que Alberto de Oliveira participou (ponto 2).
No n.º 9 desse Boletim, de Setembro de 1891, apareceu uma fotografia Columbano Bordalo Pinheiro no seu atelier do Pátio do Martel da autoria de Oliveira [24]. O artista está junto a quatro retratos: atrás dele, inacabado, o do actor Francisco Taborda (ver também aqui); ao fundo, o actor João Rosa; no chão, sem moldura, o dramaturgo João da Câmara; o ao lado deste, ainda não consegui identificar. Note-se que a fotografia saiu invertida. Sabe-se que Oliveira usou uma câmera Krügener, formato 9x12.[6]
7. PRIMEIRAS ACTIVIDADES POLÍTICAS
Na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira afirma-se que por altura da "efervescência provocada pelo ultimato", isto é, a crise do Ultimato Britânico de 1890-1891, Oliveira, "gentilíssima figura de grande elegância e de uma quase timidez de maneiras, deixou expandir os seus dotes oratórios, sendo um dos tribunos mais veementes em comícios e sessões de protesto, até que, com Gualdino Gomes, conheceu as agruras do cárcere por algum tempo".
De facto, em 12 de Janeiro de 1890, como se pode ler no Diário Ilustrado (ver reportagem completa, p. 2, "Manifestações populares"), Oliveira e Gualdino lideraram um protesto espontâneo que começou no Café Martinho (do Rossio):
"Eram cerca das oito horas [da noite], saiu dali um grupo, à frente do qual figuravam Alberto de Oliveira, pertencente ao Grupo do Leão, e Gualdino Gomes, revisor do Jornal do Comércio.
Estes dois senhores levantaram os seguintes gritos, entusiasticamente correspondidos:
'Viva Serpa Pinto!'
'Viva a armada portuguesa!'
O povo aglomerava-se e foi dele que partiram mais os gritos de
'Morra a Inglaterra!'
'Abaixo os piratas!'
'Abaixo o ministério!'
O grupo, engrossando sempre, a ponto de que a meio do Rossio não se comporia de mais de duas mil pessoas, seguiu pela Rua do Ouro.
Aí, o polícia 224 da 2.ª Divisão, prendeu os Srs. Alberto de Oliveira e Gualdino Gomes".
Ficaram detidos no Governo Civil, por tempo desconhecido.
Como sabido, a crise do Ultimato Britânico intensificou o espírito anti-monárquico, cujo primeira consequência de monta foi a tentativa de revolução republicana no Porto em 31 de Janeiro de 1891. É portanto neste contexto que se detecta o primeiro envolvimento de Oliveira em acções políticas.
8. ADMINISTRADOR CONCELHIO
A enciclopédia citada informa também que Oliveira entrou "na carreira administrativa e foi administrador de vários concelhos do país e, no Alentejo, casou com uma irmão do valoroso republicano Dr. Luís Fortunato da Fonseca, a quem acompanhou na sua propaganda contra o regime [monárquico]".
Desses cargos, sabe-se apenas com certeza que foi nomeado administrador do Alandroal em 1898 (ver aqui, p. 3, "Despachos administrativos"), mantendo-se nele talvez até 1910. Foi-o sem dúvida em 1900 (cf. aqui, coluna 4) e 1901 (aqui, coluna 3), e em 1911 passou a juíz de paz do mesmo concelho (aqui, coluna 4). Desta época conhece-se também uma mensagem de felicitação de aniversário enviada do Alandroal a Teófilo Braga (1843-1924), que colaborou em Crónica Ilustrada (1882), em 24 de Fevereiro de 1906.
A que se deveu a mudança de actividade profissional? Presumo ter sido veículo para afastar-se da agitação política em Lisboa e do envolvimento em protestos anti-monárquicos. Especulo que Luís Fortunato da Fonseca o tenha em alguma medida ajudado neste curso, recordando que Oliveira casou com a irmã dele em 1892 no Alandroal.
Por outro lado, a actividade administrativa explicará o facto de nunca vermos Oliveira mencionado nas actividades do Grémio Artístico (1891-1899), salvo a breve referência a ter sido "segundo secretário" na fundação da estrutura (ver ponto 3.6).
9. COLECCIONADOR DE CERÂMICA
Apesar da mudança de carreira, Oliveira não deixou de prosseguir interesses artísticos e culturais. Em 1907, José Queiroz, no seu estudo Cerâmica Portuguesa, referiu faianças pertencentes à "colecção do Sr. Alberto de Oliveira - Alandroal", que era composta por 150 peças.
10. DIRECTOR DE ARTE E EDITOR DE OUTRAS REVISTAS
De novo da enciclopédia: "Fez jornalismo, deixou crónicas, versos e trechos de prosa de bom quilate dispersos por revistas, muitas vezes sob anonimato". Não consegui detectar textos correspondentes, salvo um par de artigos de natureza política e o cargo de editor num jornal republicano em 1914, adiante referidos (ponto 11).
Não obstante, sabe-se, segundo Pedro da Silveira (SILVEIRA, 1964: 466), que desempenhou "a função de orientador artístico" na Revista Ilustrada, 1890-1892, de Mariano Level (1856-1894) e António Maria Pereira (1856-1898), embora não se encontre referência a ele em qualquer número da publicação (ver anos de 1890 e 1892; um exemplar de 1891 aqui). O próprio Oliveira afirmou-o, como se vê já a seguir.
Existe, sim, informação concreta sobre a sua função como editor da segunda série (1905-1911) da revista Serões, dirigida por Adrião de Seixas (?-?) e publicada pela Livraria Ferreira & Oliveira, Lda., Editores.
Oliveira não aparece em ficha técnica (que, na verdade, não existe). O que se conhece provém de uma troca de correspondência entre ele e o escritor e diplomata Jaime Batalha Reis (1847-1935), revelada pela investigadora Elza Miné em 1988 e guardada no espólio de Reis na Biblioteca Nacional de Portugal (REIS, 1988: 107-127).
As cartas vão de Outubro de 1904 a Março de 1905 (o primeiro número da segunda série da Serões saiu em Julho de 1905). Na primeira, Oliveira recordou a Reis que já contara com ele no passado – "[Honrou-me] com a sua colaboração numa Crónica Ilustrada que eu tive em 1882 e mais tarde [n]uma Revista Ilustrada, do editor Pereira, que eu dirijo [i.e., dirigi]"[7] – e pediu-lhe para contribuir com um texto a seu gosto.
Reis propôs primeiro escrever sobre literatura brasileira e depois "sobre alguns dos mais modernos pintores, de que em Portugal (...) se não faz a menor ideia: Sargent, Whistle, Watts, Manet, Monet, [ilegível], Degas, Pissarro, Segantini, Mancini, etc.". Oliveira aceitou as duas ideias. Em Janeiro, Reis disse que em breve enviaria um artigo intitulado "O Descobrimento do Brasil Intelectual pelos Portugueses do Século XX". Após mais algumas cartas, a correspondência extinguiu-se em Março de 1905, sem confirmação de Oliveira sobre a publicação do texto, que nunca chegou a surgir na Serões.
Sobre o cargo na revista, "publicação iniciada pelo Adrião Seixas e ultimamente vendida aos editores Ferreira & Oliveira", Oliveira comentou numa carta de 27 de Outubro: "Eu fui chamado muito recentemente a dirigi-la [a Serões] em condições que não são absolutamente do meu agrado por me parecerem acanhadas; mas, esperançado em que, com bons e valiosos auxiliares, conseguirei transformá-la, pouco a pouco, e abrir-lhe mais largos horizontes, aceitei".
Tratando-se, como dito, do período 1904-1905, não é claro se Oliveira interrompeu a sua função de administrador do concelho do Alandroal ou se manteve as duas actividades.
11. DIPLOMATA
A carreira diplomática de Oliveira começou em 1911 e durou até à sua morte, em 1922, com uma interrupção dedicada ao jornalismo em 1913-1914.
Naquele ano, em data indeterminada mas antes de Maio,[8] foi colocado em Ourense. A já citada nota enciclopédica contextualiza: "Ao ser proclamada a República, necessitando o novo regime de pessoas da sua confiança nos cargos consulares da Galiza, onde estavam os emigrados monárquicos e se organizavam incursões armadas, chamou em 1911 Alberto de Oliveira ao desempenho do cargo de cônsul em Ourense".
É provável ter sido convidado por proposta do seu amigo Arnaldo Fonseca, cônsul em Verín – e ex-fotógrafo, director do Boletim do Grémio Português de Amadores Fotográficos no qual Oliveira colaborou em 1891 (ponto 6.2).
A permanência em Ourense foi curta. Em Outubro de 1911 passou a Vigo, por reconhecer-se (vide a enciclopédia) "a necessidade de um consulado geral na Galiza que superintendesse em todo o movimento consular português naquela província", ou seja, em consequência da primeira incursão monárquica liderada por Henrique de Paiva Couceiro (1861-1944) em Julho. A nomeação registou-se na imprensa local (Galicia Nueva, "Orense"), com confirmação oficial em Janeiro de 1912 (Le Región, "Noticias").
Abílio Magro (?-?), que serviu as forças de Couceiro – e, sublinhe-se, figura dúbia, não sendo claro até hoje se foi ou não agente duplo –, falou várias vezes de Oliveira no seu livro sensacionalista de 1912, A Revolução de Couceiro – Revelações escandalosas – Confidências – Crimes, com o sub-título "Depoimento baseado em provas e documentos dum antigo servidor da Monarquia, apodado na Galiza de espião da República". É de particular interesse a passagem onde afirma que Oliveira conseguiu infiltrar agentes secretos nas hostes de Couceiro (MAGRO, 1912: 317, nota 1):
"A propósito deste cônsul, foi comunicado a todos os pelotões que se exercesse a máxima vigilância sobre os aliciados, pois sabia-se que ele [Oliveira] andava captando as simpatias de muitos, desconfiando-se até que se lhe tivessem vendido soldados; e, infelizmente para o movimento, assim foi. A República deve a esse cônsul o ter nas hostes couceiristas mais de 30 agentes!"
Um resultado desta operação foi por certo a apreensão de armas escondidas em armazéns de salga em Grove, província de Pontevedra, em Abril de 1912. Uma notícia registou o acompanhamento do caso por Oliveira (El Diario de Pontevedra, "El contrabando de armas en el Grove"). As armas iriam servir a segunda incursão monárquica, de Julho de 1912, cuja atenção de Oliveira também foi notada pela imprensa galega (El Correo de Galicia, "Portugal – La incursión de los monárquicos"), sendo que, segundo a citada enciclopédia, ele também contribuiu nessa altura para a apreensão de um arsenal em Monforte de Lemos, Lugo. Em 5 de Outubro de 1912 o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto de Vasconcelos (1867-1951), atribuiu a Oliveira e a outros diplomatas na Galiza, incluindo Arnaldo Fonseca, um louvor pelos "relevantes serviços durante os acontecimentos originados pela recente conspiração monárquica" (Diário do Governo, p. 6).
Em Agosto de 1913 Oliveira já tinha sido substituído em Vigo por António da Costa Leme, embora ainda trabalhasse no mesmo consulado (La Voz de la Verdad, "Pontevedra").
Oliveira voltou a Lisboa e ao jornalismo – de empenho político – nos finais de 1913. O Intransigente, jornal do histórico republicano António Machado Santos (1875-1921), publicou um texto de opinião dele em Outubro desse ano, intitulado "O princípio do fim...", e A Vanguarda, de Pedro Muralha (1878-1946), periódico também republicano, teve-o como editor pelo menos entre Janeiro e Outubro de 1914. Um editorial neste jornal, "O descalabro", tal como aquele artigo n'O Intransigente, demonstrou o seu descontentamento com o curso da República. É ainda possível que, em 1913, tenha sido editor de O Proletário – Hebdomadário defensor das classes trabalhadoras (quatro números apenas), mas ainda não consultei os originais.
Desconhece-se em que ano Oliveira regressou à carreira diplomática, mas em Outubro de 1917 era cônsul na Corunha, seu posto derradeiro. Notícias desse mês informaram ter acudido a dois casos de náufragos portugueses vítimas de torpedos da marinha de guerra alemã: os do veleiro "Maria Alícia" (El Norte de Galicia, "La acción de los submarinos") e os do vapor "Traforca" (El Ideal Gallego, "Desde Ferrol - Llegada de naufragos").
A última referência que se encontra sobre ele na Galiza é de Março de 1921, como membro do conselho consultivo da Casa América-Galicia - Associación Regional Hispano-Americana, da Corunha (Boletín de Casa América-Galicia).
Pesquisas futuras no Arquivo Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros resultarão em mais elementos a acrescentar aqui. (Como, por exemplo, este documento.)
12. MORTE
Alberto de Oliveira ficou na Corunha "até que uma cruel doença o afastou do cargo" (vide enciclopédia citada). O registo de óbito diz que "faleceu de endocardite" às duas horas da manhã de 14 de Abril de 1922 na sua casa na Rua de Silva Carvalho, 10, 2.º direito, Lisboa, e que "não deixou descendentes menores, nem bens, nem fez testamento" (27). Tinha 61 anos e quase seis meses. Foi enterrado no Cemitério dos Prazeres.[9]
As suas últimas imagens conhecidas são uma fotografia publicada na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, provavelmente dos anos 1910, e um retrato por Columbano Bordalo Pinheiro, de 1919 (25, 26).
(Ainda não detectei obituários na imprensa. Encontrei apenas uma curta referência num artigo de Dezembro de 1922 da Ilustração Portuguesa, evocador da primeira exposição do Grupo do Leão, que refere Alberto de Oliveira "falecido há pouco".)
[1] O registo de baptismo de Alberto de Oliveira está aqui, imagem 1005. O de óbito, aqui, imagem 35. O nome da mãe aparece no assento de baptismo e de casamento da sua filha Andreia (nota 4) e no óbito dele (nota 9).
[2] A "distinta família da cidade do Sado” a que Oliveira pertenceria permanece ignota. Não obstante, é preciso considerar Alberto Henrique James Gomes de Oliveira (1841-1939), dono da Quinta da Má-Partilha, em Vila Fresca da Azeitão, pela coincidência dos nomes e mais: este Oliveira, "abastado proprietário" (ANON., 1920: 3), e sua família são frequentemente referidos em O Azeitonense (1919-1920), jornal regional que, coincidência ou não, tinha sede em Lisboa na Rua da Procissão (renomeada Cecílio de Sousa em 1926), ou seja, a rua que o pai de Alberto de Oliveira deu como morada no seu assento de baptismo. Nada disto, claro, estabelece qualquer elo de ligação sólido entre Oliveira e esta figura. § Alberto Henrique James (abreviemos assim o nome), herdou em 1878 a Quinta da Má-Partilha do último dos Almadas (originais proprietários, notórios por terem sido provedores da Casa da Índia desde o século XVII), seu íntimo amigo, que não deixou descendência. Com a herança veio uma colecção de arte que incluía várias obras de Albrecht Dürer, entre elas o São Jerónimo hoje pertencente ao Museu Nacional de Arte Antiga, vendida por James em 1880 à Academia de Belas-Artes. § A descendência dos pais de James está aqui, mas não refere esposa ou o filho quase homónimo, Alberto Henrique Gomes de Oliveira, que em 1920 ou pouco depois terá casado (emancipado) com uma Armanda Vieira (ANON., 1920: 3). Há também registo de um divórcio em 1934 entre um Alberto Henrique Gomes de Oliveira, não sabemos se pai ou filho, e uma Dilar Simões Candeias Gomes de Oliveira.
[3] Estas cartas de Oliveira a Columbano pertencem, segundo Varela Aldemira, ao arquivo do Museu Nacional de Arte Contemporânea-Museu do Chiado, que ainda não consultei.
[4] Os assentos de Andreia Letertre de Oliveira Santos Lopes: baptismo, imagens 58-59; casamento, imagens 293-295; óbito, imagem 207.
[5] Registo de casamento de Alberto de Oliveira e Mariana Rita da Fonseca aqui, imagens 32-35. Assento de baptismo de Mariana aqui, imagem 18; o de óbito, aqui, imagem 330.
[6] Não consegui ainda consultar o Boletim do Grémio Português de Amadores Fotográficos no original. Todos os dados provêm da investigação de António Barrocas em Arte da Luz Dita - Revistas e boletins - Teoria e prática da fotografia em Portugal (1880-1900), volume 1 e volume 2.
[7] Jaime Batalha Reis consta de facto da lista de colaboradores previstos para Crónica Ilustrada, mas não assinou textos. Poderá ser o nome por detrás dos pseudónimos Yorick e/ou Pierre Grassou (ver aqui, no fim da página). Refira-se ainda que foi cunhado da pintora belga Zoé Wauthelet (1867-1949), participante em várias exposições do Grémio Artístico, casada em 1900 com o enólogo Alberto Batalha Reis (1871-1949).
[8] Cálculo feito a partir de uma notícia aqui, de Maio de 1912 sobre o lançamento do livro de Abílio Magro, referido neste ponto, onde o autor afirmou relatar acontecimentos passados na Galiza cerca de um ano antes.
[9] Não consultei ainda os registos do cemitério, nem conheço a sepultura. O registo de óbito está aqui, imagem 35.
ADO_01
ADO_03-26
GDL_MAPA_TL_01
01 Assento de baptismo
Registo assinado pelo pai, Alberto Gomes de Oliveira, na paróquia das Mercês, Lisboa, em 1860.
Arquivo Nacional Torre do Tombo - DigitArq
02 Taverna da Tia Leonarda
Estabelecimento na Rua de Luz Soriano, Lisboa, onde a partir de 1875 funcionou uma tertúlia frequentada por futuros membros do Grupo do Leão, incluindo Oliveira. (Foto de 1909.)
Ilustração Portuguesa - Hemeroteca Digital de Lisboa
03 Praça da Alegria
Alberto de Oliveira residiu nas águas-furtadas de um destes prédios pelo menos em 1877.
Fundo Eduardo Portugal - Arquivo Municipal de Lisboa
04 Almanaque Contemporâneo
A primeira iniciativa editorial de Oliveira, preparada em 1876 e lançada em 1877.
Biblioteca Nacional de Portugal
05 Praça Luís de Camões
No n.º 36 do prédio de fachada escura, ao centro da imagem, funcionou a Associação de Escritores e Jornalistas Portugueses, onde em 1880 Oliveira co-organizou a exposição de Columbano Bordalo Pinheiro e António Ramalho, antecipatória das do Grupo do Leão.
Joshua Benoliel - Arquivo Municipal de Lisboa
07 Diário da Manhã
Excerto do artigo de Mariano Pina que nomeou o Grupo do Leão, de 1881.
Diário da Manhã [Manuel Henrique Pinto - Página de Facebook de Luís Borges da Gama]
08 Crónica Ilustrada
Capa do n.º 1 da revista oficial do Grupo do Leão, editada por Oliveira em 1882.
Biblioteca Universitária João Paulo II - Universidade Católica Portuguesa
09 Exposição de Miguel Ângelo Lupi
Capa do catálogo da mostra antológica co-organizada por Oliveira em 1883.
10 Postal de José Malhoa
Um dos postais enviados de Aveiro em 1883. (Tem marca-de-água do ANTT.)
Arquivo Nacional Torre do Tombo - DigitArq
11 Postal de António Ramalho
Postal enviados de Paris em 1884.
Arquivo Nacional Torre do Tombo - DigitArq
12 Detalhe de Grupo do Leão
Oliveira retratado na pintura de 1885 de Columbano Bordalo Pinheiro, exposta no Restaurante Leão de Ouro.
13 Detalhe de Alegoria ao Grupo do Leão
Oliveira retratado na pintura de 1885 de Rafael Bordalo Pinheiro, exposta no Restaurante Leão de Ouro.
14 Alberto de Oliveira em 1885
Retrato publicado na revista A Ilustração Portuguesa.
A Ilustração Portuguesa [MatrizNet]
15 Alberto de Oliveira em 1885
Retrato publicado na revista O Contemporâneo.
Biblioteca Nacional de Portugal
16 Alberto de Oliveira por Columbano Bordalo Pinheiro
Data desconhecida. Em 2012 a BestNet Leilões organizou uma venda intitulada "Desenhos Portugueses Consagrados" (onde também estava uma obra assinada com um "R" de António Ramalho), na qual incluiu este desenho a lápis assinado "Columbano" (sem data, 8,5 x 12 cm), identificado como "Retrato de Alberto d'Oliveira do Grupo do Leão", sem explicitar a proveniência (e vendido a comprador desconhecido).
17 Capas dos livros de Coelho de Carvalho e de Gomes Leal
Edições de Alberto de Oliveira em 1886.
18 Caricatura de Coelho de Carvalho e de Alberto de Oliveira por Rafael Bordalo Pinheiro
Revista Pontos nos Ii, 1886.
19 Maria Alberta, filha de Alberto de Oliveira
Fotografia junto ao Tejo em 1891.
Arquivo Nacional Torre do Tombo
21 Postal de António Ramalho com desenho a partir da fotografia supra
Arquivo Nacional Torre do Tombo
22 Filho de Alberto de Oliveira
Nome desconhecido. Fotografia publicada na imprensa galega em 1920.
23 Fotografia de Alberto de Oliveira
Imagem executada na Mouraria em finais do século XIX.
25 Retrato de Alberto de Oliveira prov. nos anos 1910
Autor desconhecido. Imagem publicada na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira